00 - Apresentação
Por que criar uma newsletter sobre localização e tradução de videogame?
Imagino que vai ter gente abrindo esse e site e pensando "quem é esse cara?". É uma pergunta válida.
Bom, oi, meu nome é Leonardo, eu traduzo videogames desde 2012. Dá para ver uma lista de jogos em que apareço nos créditos no MobyGames. Vale dizer que trabalhei em muito mais jogos, mas eles estão sob os típicos NDAs (Non-Disclosure Agreements, ou "acordos de confidencialidade") da área, então não posso falar quais, mas é seguro dizer que são na casa das centenas. Há grandes chances de qualquer pessoa que tenha jogado algum lançamento nos últimos 13 anos ter interagido com ao menos um ou dois jogos que tiveram um pouco da minha mão.
"E você vai falar sobre o que faz e como funciona a tradução de jogos?"
Sim e não.
Vou falar, sim, sobre o que faço, mas de maneira bem controlada e cuidadosa. Mesmo quando apareço nos créditos, os NDAs ainda impedem de dar detalhes sobre o que acontece nos bastidores. Isso limita muito sobre o que posso comentar de maneira livre e aberta. Esse é um dos motivos do funcionamento da área ser tão obscuro e desconhecido por grande parte do público, seja ele formado por jogadores ou pela mídia especializada e, às vezes, até por tradutores que entraram há pouco tempo na área.
Por outro lado, certas questões são universais o suficiente para que possam ser comentadas livremente, sem medo de quebrar algum contrato ou deixar escapar informações confidenciais. Coisas como os prazos caóticos, a (aparente) bagunça organizacional, o fato de raramente tradutores terem acesso aos jogos que traduzem, como que uma equipe gigante de tradutores consegue criar um trabalho consistente, e por aí vai. Mas, também, falar sobre os processos criativos, as referências que são usadas, habilidades que são importantes, o porquê ser quase impossível individualizar o trabalho de cada tradutor dentro de um jogo traduzido, como lidar com feedback e testes de tradução, e coisas assim.
Portanto, "sim e não" porque vou falar o que for possível, mas tem muita coisa que não tem como. Por exemplo: sabia que muitos jogos AAA começam a ser traduzidos antes de sequer serem anunciados? Pois é. Mas é um tópico bem restrito por motivos óbvios, então não é algo que pode ser destrinchado e usado de exemplo, mesmo depois que o jogo foi lançado.
Outro motivo para é que, apesar de trazer a minha perspectiva pessoal sobre certas questões e assuntos, a ideia não é criar um diário sobre minha vida profissional, mas sim uma coletânea de artigos e comentários que possam ser usados de referência por pessoas interessadas na área, sejam tradutores ou não, para saciar a curiosidade sobre o que acontece e como acontece — novamente, não rompendo os NDAs.
Eu noto que falta muito material em português na internet, principalmente fora de conteúdo pedagógico, e isso se torna ainda mais relevante quando consideramos que os temas importantes sobre tradução para o português do Brasil são diferentes dos temas importantes que são tratados em um contexto internacional. Enquanto que um artigo falando sobre gênero gramatical de idiomas neolatinos pode ser de alta relevância para falantes de inglês, para o português é mais válido conversar sobre táticas para neutralizar ou não marcar o gênero, por exemplo. Ou como usar etimologia para elaborar neologismos que soem naturais aos olhos e ouvidos de brasileiros que nunca estudaram um idioma estrangeiro, em vez de simplesmente aglutinar palavras como o inglês faz.
(Não sou fã de aglutinações. Já fui chamado de agglutihater por uma colega de profissão e aceito a crítica. Talvez tradutores possam se dividir em dois grandes grupos: agglutinators e agglutihaters.)
Mas, então, por que criar uma newsletter em vez de postar no LinkedIn, mesmo que em português? Afinal, muito das conversas sobre o mundo tradutório de jogos têm acontecido lá, não é? E sim, é, mas eu considero isso problemático primeiro porque o LinkedIn tem um limite pequeno de caracteres para poder explorar um assunto com o cuidado que merece. É provável que esse texto aqui já estivesse batendo o limite e eu tivesse que simplificar ou remover muito do que foi escrito. E, segundo, que o LinkedIn é uma plataforma fechada: tudo que é produzido no LinkedIn, fica no LinkedIn. Fazer buscas é quase infrutífero, há grandes possibilidades da plataforma estar alimentando a própria LLM com os textos produzidos (mesmo que tenha marcado que não permite isso nas opções) e, se a plataforma mudar de ideia sobre qualquer coisa, tudo que foi publicado se torna refém deles.
Já o Ghost, a plataforma por trás dessa newsletter, indexa os artigos nos buscadores online diretamente e é open source. Se algum dia eles fizerem algo que eu não goste, posso hospedar o site em um servidor próprio (algo que já fiz no passado) e continuar mantendo o acesso online a tudo, da forma que eu preferir, sem risco algum (e por isso não estou usando Substack ou Medium também). Fora que, aqui, eu posso formatar o texto, usar imagens e vídeos no meio dele, e até colocar links sem medo de desagradar algum algoritmo.
Além disso, acho válido falar sobre tradução de videogame em um ambiente onde mais pessoas possam ter acesso. Quem tá na área há algum tempo sabe que os tradutores são como ninjas: ninguém nota quando fazem um bom trabalho. E embora seja a minha forma ideal de trabalhar – porque, acredite, gosto muito ser uma pessoa que faz meu serviço das sombras e desaparece logo em seguida, sendo invocado novamente apenas quando necessário – isso traz alguns aspectos negativos, como o total desconhecimento do público sobre o funcionamento da tradução de jogos e, por vezes, até a mídia não entendendo como foi o processo que pegou um jogo em inglês e transformou em português. Acho que já passou da hora de derrubar um pouco essa barreira e, pelo menos, mostrar o trabalho duro que vários ninjas fazem sem serem notados. Não dá para viver sempre nas sombras.
Espero que essa iniciativa ajude a levar conversas sobre tradução de videogame para fora dos círculos tradutórios de jogos, principalmente porque o que trago aqui é apenas a perspectiva de uma única pessoa (eu) e, apesar da minha experiência, não posso ser considerado uma autoridade na área. Só peço que, pelo amor de deus, respeitem os acordos de confidencialidade.
Dito tudo isso, quero ressaltar que todos os artigos serão grátis para sempre. Eles sempre estarão acessíveis a qualquer um. Contribuições são facultativas.
Enfim, espero que isso seja o suficiente para indicar quem eu sou e o que pretendo fazer. Caso tenha alguma questão, é possível deixar comentários, e aceito sugestão de temas também desde que não envolvam mercado de trabalho ou como entrar na área. Os eventos que me levaram à tradução de videogame e garantiram meu ganha-pão foram meio aleatórios, então não sou a melhor pessoa para falar sobre esse aspecto.
O primeiro artigo sai dia 3 de agosto.